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A reorganização do trabalho no mundo do trabalho

Resumo

Visivelmente existe uma crise do trabalho. Há diferentes proposições sobre o futuro do trabalho que oscilam entre o pessimismo e o otimismo, fazendo com que em alguns meios, se encontre uma reimpressão do ludismo, ou seja, se a máquina vai substituir o homem favorecerá mais o tempo livre, e em outros sombrias previsões onde a maquinização de quase tudo é entendida como um rolo compressor sobre o trabalho, origem da supressão de postos de trabalho. Por outro lado, o fanatismo homicida pelo trabalho converte a máquina libertadora em instrumento de escravização dos homens livres: sua produtividade os empobrece.Ao aperfeiçoamento da máquina o homem dobra seu esforço como se quisesse competir com ela. Estas perspectivas apontam para a necessidade de se analisar de modo mais acurado a dinâmica do trabalho em direção ao contexto da sociedade pós-industrial nascente e as implicações decorrentes dessa nova ordem. O presente artigo propõe uma reflexão sobre as mudanças nos conceitos de trabalho em meio a diversidade dos fatores tecnológicos e econômicos e políticos, para repensar as transformações sociais necessárias à inserção e a participação ativa das pessoas do mundo do trabalho.

Em física, trabalho é o resultado de uma força que desloca um objeto a uma distância mensurável, vencendo uma resistência. Então em física se realiza um trabalho quando a força for suficiente para mover um objeto. Em outras palavras, o trabalho é medido pela sua dimensão concreta, ou seja, pelo que é realizado e não pelo esforço aplicado na tentativa de mover um objeto. Esse é um conceito Newtoniano, praticado pelos cientistas e pelos engenheiros. O conceito de mundo do trabalho é mais amplo que a função laboral no sentido estrito. Incluem-se nele tanto as atividades materiais, produtivas, como os processos sociais que lhe dão forma e sentido no tempo e no espaço.

Ao olhar para o passado, através da história, não é difícil encontrar registros na literatura da imagem usual do trabalho conquanto expressão exaustiva, impositiva, condição de vida. Um recuo mais além no tempo, contribui para um posicionamento presente com uma concepção mais clara dos diferentes momentos históricos e da complexidade da relações atuais de trabalho num cenário tecnológico mutante e de impensáveis possibilidades. Tecnologias estas não menos decisivas que descoberta do fogo ou a invenção da roda, apenas muda a rapidez dos acontecimentos. Aquilo que hoje parece corriqueiro foi um dia uma inovação surpreendente que mudou a forma de fazer e de pensar.

Na visão de Posner, Randolph e Wortman (apud Martins, 1994) nas sociedades primitivas não existiu uma divisão entre trabalho e não-trabalho e “trabalhar era tão natural quanto prazeiroso”, podendo ter uma conotação de sagrado como ser comparado a um tipo de diversão. Para Guerreiro Ramos (apud Martins, 1994), pessoas nas sociedades antigas dispunham de todo o tempo e “eram donas de si mesmas, não um fator de produção”. As pessoas trabalhavam para viver e sua liberdade lhes garantia a possibilidade de expressar criativamente o potencial individual.

Segundo Martins (1994, p. 5) e conforme ilustra a Figura 1, desde as primeiras sociedades humanas até os dias atuais o trabalho assumiria os seguintes significados:

  • Na pré-história: Uma atividade lúdica;
  • Na Antigüidade: Maldição divina ou do vencido e escravisado;
  • Nos primórdios do cristianismo: Forma de expiação do pecado original e meio de compaixão;
  • No cristianismo da idade média: Remédio para as tentações;
  • Com a reforma luterana: Um direito e dever ou um meio para a salvação;
  • Na revolução industrial: Expressão da criatividade humana;
  • No início do século XX: A maior obsessão;
  • Nos dias correntes: Uma atividade em questionamento;
  • No porvir: Resgatando seu sentido original. Uma prática tão natural quanto lúdica.

É notável que a civilização se estruturou fundamentalmente em função do trabalho humano. Nos diferentes momentos e sociedades o executor do trabalho desempenhou diversos papéis em sua existência: de usuário da energia física, depois operador de ferramentas, passando por organizador da produção, para na era pós industrial ser um sintetizador da energia mental, favorecendo a abstração e a criatividade.


“Em Atenas a vida cotidiana era feita de pequenas coisas.(…) Aos mais cultos dos antigos bastava o frescor de uma fonte, o perfil de uma colina, a sombra de um plátano para atingir um estado de graça muito acima do que fornecem hoje mil passatempos mecânicos do consumismo de massa (…) A verdadeira riqueza dos gregos não deriva da posse de objetos úteis ou vistosos (…) mas da capacidade de captar e saborear profundamente as sensações e os significados positivos inseridos nas coisas, nos acontecimentos e nas idéias de todos os dias”(De Masi:2000.p, 78).

Figura 1 – DISTINÇÃO ENTRE TRABALHO E NÃO-TRABALHO

Fonte: MARTINS, Paulo Emílio Matos: 1994, p. 6)

Antes de 1800 – e em muitos casos, depois – o emprego sempre teve a conotação de execução de uma determinada tarefa e não uma função a ser exercida. O trabalho temporário recebeu roupagem nova com o surgimento, principalmente na Inglaterra, das indústrias chamados “os satânicos moinhos escuros”. A grande mudança para as pessoas foi deixar de fazer algo orientado pela vontade própria, orientado pelo “apito” da natureza e então ser regido pelo tempo contado, um mundo novo, onde o emprego não permitia a passagem de uma tarefa para outra livremente, nem agilizar a sua conclusão para poder estar livre e isto comemorar. Também era difícil aprender as regras do emprego.

Assim, do período da pré-Revolução Industrial até o início do século XX o trabalho passa a assumir literalmente o sentido racional do mercado, virando mercadoria. A mão-de-obra deslocada da agricultura pela mecanização veloz encontra absorção no setor industrial onde o modelo do trabalho assalariado é o trabalho fabril, ferramenta de produção, é o trabalhador chamado operário que laborava por longas jornadas em ambientes insalubres, mas cuja organização foi modelo numa época em que não existia qualquer segurança ou garantia.


É o modelo minoritário, pois em nenhum lugar do mundo ao trabalhadores de fábrica foram a maioria das pessoas que trabalham, era uma minoria importante, muito organizada, muito ativa e combativa pelos seus direitos, e pelos direitos em geral dos trabalhadores. Pode-se dizer que no século XX os trabalhadores fabris foram uma espécie de vanguarda do movimento operário (…) o que talvez mais importante é considerar, que devido ao desenvolvimento da indústria fabril, se deu um enorme desenvolvimento das atividades chamadas de controle (Singer: 2000, p. 34).

Na medida em que o trabalho direto, feito com esforço físico vai sendo suprimido em decorrência da expulsão do homem da atividade produtiva direta pela máquina, passa a existir um processo em prol da atividade de cuidado sobre a máquina, em função do que cresce em importância a atividade de controle. A grande maioria das pessoas embora ainda em espaços específicos, já não trabalha na produção, e sim na programação, na organização e no controle da produção. Passou haver uma certa passividade que o controle da produtividade e do desempenho de cada um era a medida quantitativa do trabalho, o que Capra (1982, p. 51) confirma: “Nada mudou mais o nosso mundo que a obsessão dos cientistas pela medição e quantificação”.

Conforme denotam os dados apresentados por Antunes (1999, p. 43-44), a retração do trabalho na agricultura, na mineração e na indústria manufatureira evidenciam uma nítida redução do trabalho manual e fabril, especialmente nos países de economia capitalista, seja por decurso de um panorama recessivo, mas de forma mais contundente em função da automação e da microeletrônica, o que poderia caracterizar uma “desproletarização relativa” se não viesse ampliar a taxa de desemprego estrutural. Esses países viram decrescer os empregos em tempo integral e paralelamente o surgimento de trabalhadores parciais, temporários, subcontratados, etc. variantes essas que o autor denominou “subproletarização do trabalho”. Esse movimento vem configurar uma propensão a individualizar as relações de trabalho, modificando e desregulamentando padrões legais vigentes em nome da competitividade.

Porém, na medida em que os postos de trabalho na indústria sucumbiam também evidenciava-se o expressivo crescimento do setor terciário, ou seja, do setor de serviços, que do início da década de 1960 ao início da década de 1980, teve como efeito mais notável a maciça entrada das mulheres no mundo do trabalho, caracterizando marcantes transformações no interior das classes trabalhadoras. As inovações tecnológicas permitem que aparelhos substituam o trabalho da mulher em atividades da preparação da comida e de limpeza reduzindo o trabalho doméstico que cada vez mais passa ser feito ou fora de casa, ou dentro de casa com as máquinas, tornando a classe que vive do trabalho tanto masculina quanto feminina.

Entretanto, embora o comprovado crescimento do setor de serviços, mesmo neste, não se pode deixar de considerar o efeito da automação em muitas áreas onde a tecnologia da informática em máquinas com inteligência artificial são capazes de executar sem falhas muitas das tarefas mentais até então realizadas pelo homem, o que em princípio evoca a idéia de libertação de tarefas repetitivas sem sentido, de outra forma sinaliza para a hipótese de um mundo de menos trabalho.

Se interesses ligados a fatores econômicos tinham destituído do trabalho seus valores humanos, na sociedade pós-industrial que desabrocha com gigantescos e desafiadores problemas sociais, o trabalho curiosamente resgata um caráter multidimensional. Novas ocupações, com a função utilitária perdendo importância, surgem das transformações tecnológicas dando espaço para novos modelos de exercício do trabalho, com a morte do controle centrado nas pessoas e despontar de um sentido de responsabilidade social. A gestão de desempenho requer uma mudança de controle para o compromisso.

No mundo de mais trabalho e menos emprego as competências pessoais, a disciplina, a curiosidade e a obsessão de aprender continuamente são ingredientes que marcarão a passagem do tempo definido para o tempo escolhido. Esse movimento nos leva a crer que o sentido do trabalho possa novamente vir a se relacionar como uma prática libertária de seres participativos numa sociedade aprendiz pois, conforme De Masi ( 200l, p.14), “através do direito ao trabalho, o homem realizou a sua condição industrial; através do direito ao ócio, o homem realizará sua condição pós-industrial.”

A diminuição da necessidade do trabalho pela otimização do tempo da máquina é a característica maior da sociedade pós-moderna ao que podemos julgar haver uma abertura de espaço para novas possibilidades de uso do tempo livre e uma retomada da autonomia no trabalho, apontando novamente para o aprendizado criativo como nas sábias sociedades primitivas, onde o trabalho deixa de ser um valor central, sobre o qual todos os demais se hierarquizam e uma gama de outros valores tomam espaço. Além do que, ao contrário da Era Industrial na qual a tecnologia exerceu intensa pressão à padronização, não somente da produção, mas das atividades e das pessoas que o realizavam, observa-se no presente o surgimento de tecnologias opostas, isto é, que tornam possível um retorno à despadronização, característica esta de antes da Revolução Industrial. (Tofler:l985, p. 78). Processo esse que pode ser interpretado como uma repartição social da inteligência entre o homem e a máquina.

Os escritos dos utópicos tecnológicos há muito já vêm defendendo que a ciência e a tecnologia, adequadamente aproveitadas, finalmente libertariam os seres humanos do trabalho formal. As suas visões e perspectivas alertavam para um redirecionamento dos talentos dos seres humanos e a reformulação da cultura de acordo com os exigentes padrões das crenças da engenharia. Para estes, cujos escritos (ficção científica na época) floresceram entre 1883 a 1933, a jornada de trabalho é vista como uma imposição ao princípio hedonístico que representa o primeiro pré-requisito para a liberdade. Em nenhum lugar esta opinião é mais amplamente sustentada do que entre os campeões e defensores da revolução da informação.


Os utopistas tecnológicos combinaram com êxito o conceito cristão da salvação eterna e o etho utilitário americano numa nova e poderosa síntese cultural. A idéia de que a ciência e tecnologia – utilizadas por uma nação de trabalhadores dedicados e fiéis impregnados da moderna ética do trabalho – nos levariam a um reino terrestre de grande prosperidade e ociosidade que continua a servir de modelo social e econômico predominante até os dias de hoje. (Rifkin: 1995, p. 48)

A questão porém, se desloca aqui para se pensar: após esta reengenharia compulsória do trabalho pós-industrial, quantos terão oportunidade de emprego ou de trabalho numa sociedade tão tecnologizada para poucos, mas tão inacessível para muitos? “A introdução de tecnologias economizadoras de tempo e de trabalho têm permitido às empresas eliminarem trabalhadores em massa criando um exército de reserva de trabalhadores desempregados com tempo ocioso, ao invés de tempo livre, à sua disposição” (Rifkin:1995, p.48). Setor sucedendo setor, contudo o que se verifica até este inicio de século é que nenhum novo setor iminente está se desenvolvendo para reempregar a massa de demitidos pelas novas tecnologias. A única perspectiva nitidamente percebida é o setor do conhecimento que embora sua ampliação crescente, está longe de se comparar ao tamanho do contingente de excluído cuja renda potencial e poder de consumo precisam ser resguardados para manter a engrenagem da economia de mercado.

Para mitigar os efeitos das demissões em massa, já em 1920, a classe trabalhadora americana argumentava que o único antídoto para que todos mantivessem o emprego é que os ganhos de produtividade deveriam ser compartilhados na forma de redução da jornada de trabalho. Ultimamente, a comunidade empresarial continua enfrentando a reivindicação dos trabalhadores sobre os avanços da produtividade na forma de maiores salários e redução das horas de trabalho, porém tem sido inflexível contra essas tentativas. Infelizmente, os trabalhadores conforme o mesmo autor acima citado, embora a pressão para reduzir a jornada de trabalho em prol de uma redistribuição do trabalho disponível, salvos em incursões de algumas representações políticas e em estratégias empresariais isoladas, ainda não têm muita voz ativa sobre o modo como suas economias compulsórias são investidas.

A história necessita repetir sempre suas lições porque os homens não aprendem de vez. Se a redução da quantidade de tempo trabalhada conquistada em períodos anteriores, notadamente nas duas primeiras revoluções industriais, embora às custas da mobilização e reivindicação da classe trabalhadora, servirem de argumento para disseminação do trabalho entre um número maior de pessoas, é uma alternativa comprovada de ajuste e inclusão a apreciar.


Os ganhos dramáticos de produtividade no primeiro estágio da Revolução Industrial no século XIX foram seguidos por uma redução da jornada de trabalho de 80 para 60 horas semanais. Da mesma forma, no século XX, quando as economias industriais fizeram a transição da tecnologia do vapor para as tecnologias do petróleo e da eletricidade, os constantes aumentos de produtividade levaram a uma redução adicional da semana de trabalho de 60 para 40 horas semanais (Rifkin: 1995, p. 244).

Mas, há dificuldade de mudar o paradigma de um estilo de vida baseado no excesso de esforço da gestão arcaica e opressiva dos tempos e dos espaços, as empresas preferem se prejudicar mantendo pessoas que nada tem a produzir do que mudar seus próprios regulamentos.

Outra alternativa a ser avaliada sobre a manutenção do trabalho é que: “Para encontrar trabalho para todos os inúteis da sociedade atual, e para deixar o aparato industrial se desenvolver infinitamente, a classe operária, tal como a burguesia, violentar a abstinência e desenvolver infinitamente sua capacidade de consumo”( Di Masi: 2001, p. 166). Essa ideologia encaixa-se com a idéia de que o grande problema da produção capitalista não é mais o de encontrar produtores e aumentar sua força, mas sim o de descobrir consumidores, excitar seus desejos e criar para eles necessidades fictícias.

Na sociedade industrial o ambiente de trabalho e da vida pessoal eram completamente distintos, um não poderia se justapor ao outro, agora as relações entre o trabalho e a vida estão intimamente interligadas, principalmente para os trabalhadores que atuam em atividades intelectuais ou tarefas flexíveis que envolvam idéias, onde o cérebro é a máquina. A formalidade do emprego consolidado na Revolução Industrial com horários, salários e atribuições definidas cede lugar para a informalidade e a flexibilidade da Era do Conhecimento. As sucessivas transformações tecnológicas aperfeiçoaram o jogo das competências individuais. “A vida penetrou na empresa e o trabalho difundiu-se pela vida afora”. (De Masi:2001,p.26).

Desde a década de 1980 que Alvin Tofler figurava em sua obra “A Terceira Onda”a importância preponderante do conhecimento no mundo atual, situando-o como o “novo poder”, um poder maleável, flexível e inesgotável, porém por suas mesmas características, volátil e intangível. Indubitavelmente este é um tempo fértil para aqueles aptos e que sabem cultivar as oportunidades, mas os perdedores verão tal mudança como um problema com o qual devem lidar.

Parece simplista, mas o que seria novo e bem-vindo sinaliza para um contexto de insegurança e incerteza se não for assegurado um tratamento especial à massa excluída da tecnologia, pois a inaptidão da maioria não se resume a uma questão pessoal, mas a um problema social. O problema está às nossas portas. A grande questão é como fazer a transição para esta nova era da história sem minar dramaticamente a estrutura do trabalho, encurralando um exército de pessoas, empurrando-as para a fila de desempregados, quando não tornando-as descartáveis.

Seria de se supor aqui uma visão redentora do trabalho: não rotineiro e mais complexo e gratificante. Entretanto cabe uma análise se o trabalho entendido como atividade criativa e como valor fundante da sociedade não continuaria decadente e a abrir campo para o imperialismo das máquinas agora potencializadas pela microeletrônica. A tecnologia não intensifica o trabalho!! Que relação vencerá nessa metamorfose: a máquina como uma ameaça de extermínio do trabalho do homem ou a máquina como meio de libertação das agruras do trabalho?

É oportuno resgatar experiências vividas por outras sociedades para compreender como as diferenças mudam e as soluções fluem ao longo da história:


Qual era o maior medo da humanidade no ano de 999, às vésperas do segundo milênio? O medo do além, da exclusão eterna do paraíso. (…) Nunca se pintaram ou esculpiram figuras humanas tão desesperadas como no século 10. (…) Há mil anos os homens se protegeram do medo da exclusão eterna de duas maneiras: uma, imediatista e paliativa, criando o purgatório e inúmeras formas de indulgência para garantir o paraíso; outra, de longo prazo e definitiva, graças à filosofia moderna que destruiu a dicotomia entre o mundo imanente e o transcendente, entre o aquém e o além. A comparação entre o trauma dos homens do primeiro milênio – medo do além – e o trauma dos homens do segundo milênio – medo de exclusão do emprego e da cidadania – permite-nos tirar uma importante lição. Embora as soluções paliativas (…) não sejam desprezíveis, a solução definitiva e a longo prazo para a exclusão do emprego consiste no rompimento da dicotomia entre o mundo do trabalho e o mundo do lazer ( Nosella: 1999, p. 142).

O mais brutal é que todo mundo é um trabalhador contingente, ou seja, o trabalho é uma contingência dos resultados da organização e a saída para os convertidos que conseguem permanecer no sistema de referência tecnológico, cabe compartilhar uma conduta orientada para a redenção da eficiência, isto é, tomando-se o conceito oriundo da termodinâmica, para o máximo rendimento que pode ser produzido no menor tempo possível, dispendendo a menor quantidade de energia, trabalho e capital no processo (Rifkin:1995, p. 52). Além de resultados, as empresas precisam de seus empregados senso de urgência e aceitação rápida da mudança que aprendam continuamente novas habilidades e modos de fazer as coisas e senso de colaboração dentro e fora da empresa, de pessoa a pessoa, em equipes temporárias e permanentes.

O cenário no mundo empresarial brasileiro se assemelha ao das pessoas, muitas empresas iniciaram uma corrida à modernização de seus processos de gestão, implantando Programas de Qualidade Total, Reengenharia, redes e outras tentativas. Podem ser encontradas três tipos de empresas: as que não sabem para onde ir ou seguir; as que conseguem montar uma visão estratégica, mas ficam apenas na visão; e as que tem a visão clara, fazem opções coerentes e realizam as estratégias (Picarelli Fo.&Wood Jr.,1999).

Ao tratar do aprimoramento das práticas gerenciais em decorrência das imposições do ambiente, essencialmente aquelas conhecidas e voltadas para a Qualidade Total, atentamos para a substituição do conceito de trabalhador por “operador”: “Sujeito pensante que satisfaz suas necessidades econômicas, sociais, culturais e profissionais na organização para a qual trabalha. Deve desfrutar de plenas condições para ser o motor do processo de aperfeiçoamento, \’Parceiro\’ dos dirigentes da organização na missão de mantê-la competitiva” (Lobos: 1991, p. 18). O conceito apresentado evidencia um novo paradigma sobre a organização do trabalho e sobre as pessoas.

Não se pode aceitar a explicação essencialista das vantagens e da sedução deste novo momento. Ao compreender a superioridade da tecnologia aliada à evolução das ciências organizacionais, vê-se que cada vez mais e de forma contundente, a cada geração, homens e mulheres, vão depender mais de si mesmos para sobreviver nesta arena e devemos estar preparados para viver a necessidade de ultrapassar continuamente a nós mesmos. As empresas se desfazem das pessoas como se fossem embalagens descartáveis e não só de operários, mas de executivos também que, inermes, ao contrário dos operários, nem protestar, quer individualmente ou coletivamente, o fazem.

Ë plenamente justificável que será preciso uma nova ordem social que leve em consideração as novas necessidades, um novo senso de bem comum para justificar os sacrifícios que precisarão ser feitos para ajudar a construir a inserção daqueles que são frutos da decomposição da sociedade industrial e que acham o novo muito difícil, incapazes de administrar sua situação.

Ao pensar quais são os elementos que contribuem para a criação de uma base sustentável para a nova ordem, num tempo em que conhecer conta mais do que o fazer, surge a economia social, até agora pouco considerada, onde o terceiro setor desponta como uma alternativa mais humanizada de absorver o contingente de desempregados, depois que o valor de mercado de seu trabalho na economia formal tiver se tornado marginal ou sem valor. Estamos passando por uma transformação em que a empresa social é a verdadeira saída para que os projetos não percam a continuidade. Se o Estado perdeu sua condição de gestor das condições sociais, ele deve manter seu papel mediador. Aos empresários caberia emprestar seu conhecimento, de diretores e conselheiros além de gestores. À sociedade civil cooperaria com trabalho voluntário e técnico – este devidamente remunerado.


Ao contrário da economia de mercado, que se baseia exclusivamente na “produtividade” e, por isso, é receptiva à substituição do trabalho humano por máquinas, a economia social está centralizada nas relações humanas, em sentimento de intimidade, em companheirismo, em vínculos fraternais – qualidades que não são facilmente redutíveis a, ou substituíveis , por máquina. (Rifkin: 1995, p. 314).

Na gigantesca tarefa que o momento reserva às pessoas, onde a expectativa é que o ser mecânico dê lugar ao ser liberto, o referencial teórico freiriano oferece um poderoso instrumental a ser adaptado para a reconstrução do mundo do trabalho:


Ninguém liberta ninguém
Ninguém se liberta sozinho
Os homens se libertam em comunhão (Freire: 1987).

Assim sendo, o novo milênio nos anuncia que o trabalho é possível e factível, desde que no contexto do trabalho criativo, cooperativo. A exemplo do mundo empresarial em que toda a empresa lida de algum modo com a incerteza, as alianças, compartilhamentos as inter-relações e outras práticas organizativas favorecidas pela tecnologia, são instrumentos de cooperação que claramente criam vantagem competitiva. O homem é hábil em lidar com instrumentos, não só com aqueles usados como meio de produção, mas tudo aquilo de que se serve para sua sobrevivência física como social. Assim o homem é capaz de abstrair e criar os mecanismos para, fora das soluções tradicionais, mesmo num cenário hostil, estabelecer relações construtivas que incorporem as reivindicações do mundo do trabalho. Neste ponto cabe pontuar uma reavaliação do ócio.

O tempo sem trabalho ocupa um espaço cada vez mais central na vida humana. As afirmações como “eu sou um trabalhador” ou “o trabalho dignifica o homem” estão perdendo espaço para uma identidade traçada não mais sobre o valor absoluto do trabalho, mas sobre valores multiformes, fundamentados nos relacionamentos e numa racionalidade diferente daquela baseada na ética do valor absoluto do dinheiro. “É necessário reeducar a população de alta renda para que aprenda a ociar. E é necessário reeducar a imensa massa de pobres do terceiro mundo , para que aprenda a trabalhar” (De Masi: 2001, p.33). Ensinar não só o trabalho, mas também as atividades ligadas ao tempo livre, aos cuidados e às atenções, entendido como não-trabalho.

A educação para o trabalho e para o lazer já era debatida trezentos anos antes de Cristo nas palavras de Aristóteles: “Muitos estados se desagregam após a conquista do seu império; da mesma forma que o ferro em desuso, perdem eles a têmpera em tempo de paz. O culpado é o legislador, por não havê-los educado para usufruir o lazer” (Nosella: 1999, p.140).

Na reestruturação contemporânea do trabalho não é possível estar contra a história, nem daria resultados, é preciso formular as respostas necessárias num mundo cada vez mais em movimento, sem impor retorno ao passado. A tecnologia serve para que se viva melhor. Elimina cansaço e sofrimento. A mudança é que assusta. Há pessoas que prefeririam uma cultura imóvel como a natureza, mas na prática parece difícil imaginar a situação da saúde ainda sendo tratada apenas com os recursos que a natureza disponibiliza. Rejeitar o arsenal tecnológico é regredir.

Observando-se o cenário global e questionando-se quais os objetivos do homem em sua existência na face da terra, é difícil conceber e sustentar tamanha evolução sem a efetiva correlação com o bem estar social. O trabalho em si, é uma forma de integração da sociedade, de fazer parte do todo. A saída para os milhões de desempregos, cujo trabalho vem sendo cada vez menos necessário há muito tempo, se inscreve na possibilidade de regular a abundância proveniente da revolução da produtividade e repartí-la de forma que todos tenham acesso a um patamar básico. E mais, é preciso refundar os modelos de vida, de produção e de distribuição. “A partir daí, as escolhas seriam livres, inclusive para se tentar ser milionário. (…) O limite seria a criatividade humana, o desejo de ser diferente e a busca de se distinguir na multidão” (Silva:1999, p. 118).

Se a maioria das páginas de nossa história e os inúmeros fatos a que assistimos diariamente alimentam o pessimismo, o futuro precisa de toda a nossa criatividade e, por isso, de todo o nosso otimismo para que o trabalhador sustente o seu papel de sujeito( parceiro) e não de mero objeto(recurso).

Honrosas conquistas , . Se poupa energia física para o trabalho, gasta-a e desgasta-se para manter-se empregado, a modernização está a dissolver a sociedade industrial.


BIBLIOGRAFIA

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Nilsa Maria G Canterle

Professora do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da UNIOESTE, campus de Francisco Beltrão, e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Produção da UFSC

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